500 ANOS DA PRESENÇA PROTESTANTE NO MUNDO
– 31 de outubro de 1517 a 31 de outubro de 2017 –
por Jorge Henrique Barro
Parte 3 – A Participação das Mulheres na Reforma Protestante
Desde o início, as mulheres aproveitaram as novas ideias espalhadas pelo movimento reformista para repensar seu papel dentro da família, da igreja e da sociedade. De fato, foi por causa desse movimento que elas podiam ter acesso à educação, o que não era comum nesse momento – a maioria das mulheres era analfabeta. E o fato de serem educadas significava que poderiam assumir cada vez mais responsabilidade na Igreja e na Sociedade.
Foi porque elas precisavam consultar a Bíblia para aprender sobre a vontade de Deus para suas vidas diárias e “criar seus filhos de maneira cristã” que as mulheres protestantes tiveram que aprender a ler. De acordo com Lutero, as escolas eram necessárias para ensinar as jovens como seriam futuras mães e, de acordo com Calvino, a mãe tinha a mesma responsabilidade que o pai em relação à educação das crianças, ambos tinham que ser gentis e sábios.
Por esta razão, nas famílias pertencentes ao movimento reformista, já no século XVI, as filhas dos protestantes receberam uma educação melhor do que as católicas, mesmo que elas fossem de origem pobre. Muitas escolas para meninas foram abertas em Béarn, mas também em cidades fortemente protestantes como Nîmes, La Rochelle e Montauban.
Elas foram ensinadas a se tornar futuras esposas e mães, instruídas quanto ao funcionamento de uma casa, o que exigiu aprender a ler, escrever e fazer aritmética. Era extremamente incomum na época que as meninas fossem educadas dessa maneira.
A partir de 1550, as mulheres podiam ser vistas realizando reuniões de oração, batizando crianças e pregando. Isso não durou muito, no entanto. A partir de 1560, elas não podiam mais participar dessa maneira na vida da Igreja. Nos sínodos provinciais e nacionais, as decisões tomadas impedia tê-las nas leituras da Bíblia, orações e batizados. As Igrejas protestantes também deram preferência aos homens ao escolher posições de autoridade.
Foram fundados 14 colégios de ensino secundário entre 1560 e 1598 – abertos apenas para meninos. As meninas, simplesmente, eram treinadas para serem boas donas de casa. Foi assim que o novo papel da mulher surgiu na sociologia protestante. Já não estava colocada em uma posição desconfortável entre dois extremos, a prostituta, por um lado, a virgem, por outro, como na Idade Média. Ela era definitivamente “chamada por Deus”, expressão favorita de Lutero, e era, aos olhos de Deus, tão importante quanto seu marido.
Naturalmente, as mulheres protestantes deveriam dirigir suas famílias, cuidar de seus filhos e levá-los ao melhor de suas habilidades. Isso sempre foi o caso, mas com o movimento da Reforma, elas foram vistas como fatores-chave, do ponto de vista religioso, na realização da vontade de Deus e, do ponto de vista político, no estabelecimento de uma sociedade ordenada. A mulher contribuiu ativamente para o casamento e o desenvolvimento harmonioso da família. Este novo papel lhe conferiu um senso de dignidade e valor que nunca teve antes.
Devido ao movimento da Reforma, novos horizontes foram gradualmente abertos, de fato. A atividade religiosa mais sagrada e vital para um protestante, o estudo e comentário da Bíblia, tornou-se possível também para elas. Já não estavam sob o controle total de seus pastores e maridos, e desde então, foram consideradas como seres humanos responsáveis.
Isso foi especialmente verdadeiro para as esposas da nobreza desde o início do século XVI em diante. Elas se beneficiaram de uma boa educação e viveram em círculos cultivados. Não só elas aspiravam a mais conhecimento para aprofundar sua própria fé, mas também estavam interessadas em descobrir as novas ideias do movimento da Reforma com vista a compartilhá-las com outras pessoas.
Vejamos, então, a presença de algumas (porque tem muito mais) mulheres no movimento Reformado.
Alemanha
Katharina Von Bora era uma antiga freira que se casou com Martinho Lutero. Quando Lutero fixou as suas famosas 95 teses nos portões da Capela de Wittenberg, Katharina estava com 18 anos de idade. Eles foram casados por 21 anos e tiveram seis filhos. Sua língua, humor e teimosia aperfeiçoaram Martinho Lutero, um feito nada pequeno. Ela administrou sua casa (que era frequentemente cheia de estudantes), tinha um grande jardim e gado, pescava, cultivava e dirigia uma cervejaria. Katharina também gerenciou o dinheiro e cuidou de sua família estendida. Lutero chamou-a de “Minha Senhora Katie”.
Veja o último testemunho de Lutero sobre sua esposa ao escrever a um amigo, ele disse:
“Minha querida Kate me mantém jovem, e em boa forma também… Sem ela, eu ficaria totalmente perdido. Ela aceita de bom grado minhas viagens e quando volto, está sempre me aguardando com alegria. Cuida de mim nas minhas depressões e suporta meus acessos de cólera. Ela me ajuda em meu trabalho, e acima de tudo, ama a Cristo. Depois Dele, ela é o maior presente que Deus já me deu nesta vida. Se algum dia vierem a escrever a história de tudo o que já tem acontecido (a Reforma), espero que o nome dela apareça junto ao meu. Eu oro por isso…”.
Ao tomar conhecimento dessa declaração, Katharina respondeu: “Tudo o que tenho feito se resume a simplesmente duas coisas: ser esposa e mãe, e tenho certeza que uma das mais felizes de toda a Alemanha!”.
Katharina Schutz Zell (1497-1498), pregadora, teóloga, mulher reformadora, mãe na fé, foi casada com Matthew Zell de Estrasburgo e ministrou em equipe com seu marido. Ela desenvolveu ministérios femininos e publicou um livro de Salmos para as mulheres cantarem. Ela assumiu papel de liderança na organização de alívio para 150 homens exilados de sua cidade, tudo pela fé. Escreveu incentivos bíblicos às esposas e filhos deixados para trás. Durante a Guerra dos camponeses, ela organizou Estrasburgo para lidar com 3.000 refugiados por um período de seis meses.
Ursula von Münsterberg (1491-1534) foi a neta do rei Georg Podiebrad da Boêmia. Ursula era uma freira em um convento em Freiberg, na Saxônia. Ela liderou um esforço para trazer um capelão que estava familiarizado com Lutero e teve os livros de Lutero contrabandeados para o convento. Por isso, ela foi forçada a fugir de seu convento em 1529, indo após isso ficar com a família Lutero.
Argula von Grumbach, a debatedora (1492-1554), era uma nobre bávara que desafiava vigorosamente os docentes da Universidade de Ingolstadt (Ingolstadt, cidade na Alemanha) a debater suas opiniões reformadas. Suas cartas foram amplamente publicadas. O próprio Lutero se encontrou e se correspondia com ela, e louvava-a por sua grandeza. Em uma carta disse:
“A mulher mais nobre, Argula [von Grumbach], está travando uma luta valente com grande espírito, ousadia de fala e conhecimento de Cristo. Ela merece que todos orem pela vitória de Cristo nela… Ela sozinha, entre esses monstros, continua com fé firme, porém, ela admite, não sem tremores interiores. Ela é um instrumento singular de Cristo. Eu recomendo a você, que Cristo através deste vaso fraco, possa confundir os poderosos e aqueles que se gloriam em suas forças”.
Elisabeth Cruciger era da Pomerânia e passou um tempo no convento em Treptow, em Rega. Ela saiu do convento em 1522 ou 1523 e casou-se com Caspar Cruciger em 1524, que marcou o primeiro casamento oficial protestante. Amiga de Katie (esposa de Lutero), Elizabeth estava envolvida em discussões teológicas nas “conversas de mesa” na casa dos Lutero e com Felipe Melanchthon, que a considerava uma mulher brilhante. Ela escreveu o primeiro hino protestante em 1524, o que criou uma controvérsia, já que as mulheres não costumavam ser compositoras de seu tempo.
França e Países Baixos
Jeanne d’Albret, a política (1528-1572), era a rainha de Navarra e uma influente líder do movimento Huguenote na França. Ela convidou os pregadores Reformados a falar em sua terra e declarou publicamente sua adesão ao Calvinismo em 1560. No entanto, deixou claro que ela seguiu Teodoro de Beza, Calvino e outros apenas na medida em que eles seguissem as Escrituras. Ela tentou acalmar a divisão entre católicos e protestantes e tentou trazer a paz à medida que as guerras começaram a surgir. Na verdade, enquanto protestante, ela continuou a permitir que a missa acontecesse em sua terra, recusando-se a punir os católicos que não se converteram ao protestantismo.
Idelette de Bure era viúva de Jean Stordeur, falecido de peste bubônica e com quem teve três filhos. Casou-se com João Calvino em Estrasburgo. Um filho deles morreu enquanto criança e ela abortou outro, assim não tiveram mais filhos. Calvino pouco falou de sua vida conjugal, mas ficou profundamente tocado com a perda dos filhos. Idelette faleceu em 1549 em Genebra, onde vivia desde 1541 com o seu marido. Calvino faleceu em 1564.
Inglaterra
Jane Gray escreveu cartas ao reformador Heinrich Bullinger aos 14 anos. Como rainha, Jane lutou intensamente para não se converter a Roma, quando tinha 16 anos. Ela resistiu a esses esforços com raciocínio teológico e ensino bíblico contra um professor de teologia que era duas vezes mais velho que ela.
Catherine Willoughby tornou-se a duquesa de Suffolk em 1533 e estava relacionada com Jane Gray. Ela protegeu o pregador-bispo Hugh Latimer da perseguição até que as coisas se tornassem tão insuportáveis para ela. Assim, para salvar sua vida, ela fugiu para a Holanda com seu bebê. Ela foi forçada ao exílio por ser defensora da Reforma.
Itália
Olympia Fulvia Morata, a intelectual (1526-1555), foi uma erudita italiana nascida em Ferrera, sendo a filha mais velha de um erudito humanista, que, depois de ter sido forçado a fugir de sua cidade para o norte da Itália, deu uma palestra sobre os ensinamentos de Calvino e Lutero. Olympia floresceu em seus estudos, especialmente em latim e grego, exibindo uma erudição impecável. Ela escreveu diálogos latinos, poemas gregos e cartas para ambos os estudiosos (em latim) e mulheres menos educadas (em italiano). No seu “Diálogo entre Theofilia e Philotima”, ela encorajou aqueles que temiam que seus pecados grosseiros obstruíssem seu caminho para Deus, dizendo:
Não tenham medo… Nenhum odor de pecadores pode ser tão sujo que sua força não possa ser quebrada e enfraquecida pelo odor mais doce que flui da morte de Cristo, que só Deus pode perfumar. Portanto, procure Cristo.
Suíça
Marie Dentière, a para raio (1495-1561)
Entre essas mulheres, Marie Dentière é provavelmente aquela que agitou a maior controvérsia por suas declarações e ações um tanto provocativas. Ela nasceu em uma família aristocrática, e logo se tornou uma abadessa num convento belga. Ela deixou o convento depois de entrar em contato com as ideias da Reforma, e viajou primeiro para Estrasburgo, onde se casou com um ex-padre. Suas atividades eram bastante variadas. Marie incentivou as freiras a se juntarem à Reforma e casarem-se. Iniciou, com seu marido, uma escola para meninas. Escreveu uma história da “libertação” de Genebra dos católicos.
Calvino algumas vezes criticou Marie Dentière por suas opiniões muito vocais, referindo-se em uma de suas cartas a uma vez que ela se dirigiu a uma multidão numa esquina em Genebra, aparentemente criticando os ministros reformados da cidade, incluindo o próprio Calvino. No entanto, no final de sua vida, ela escreveu o prefácio de um sermão de Calvino sobre a modéstia – dificilmente Calvino pediria isso a uma mulher que ele não respeitasse. Moderou algumas de suas opiniões com a idade, e por isso Calvino pediu que ela escrevesse tal prefácio. Marie Dentière era uma mulher de opinião que não tinha medo de testemunhar às freiras ou escrever sobre teologia. O único nome de uma mulher no Muro da Reforma em Genebra é o de Marie Dentière.
Todas essas mulheres ansiavam por ver o triunfo das boas novas do evangelho, da Reforma Protestante, superando a oposição da igreja e fora dela. Serviram com paciência, discernimento, perseverança e coragem. Não eram apenas observadores da Reforma, mas protagonistas em e de seu próprio tempo. Além disso, cada uma foi usada poderosamente por Deus para manter a integridade de sua igreja e redimir uma humanidade caída.
Jorge Henrique Barro – É doutor em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (Pasadena. Califórnia – USA). Fundador e professor da Faculdade Teológica Sul Americana de Londrina e avaliador do MEC para Teologia.
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