A mulher não é uma entidade abstrata, nem vive isolada dos demais, mas tem uma maneira especial de se relacionar com os outros. A descoberta da sua dimensão relacional, da sua profunda vinculação na vida, confere a ela uma capacidade especial de se fazer solidária na luta pela transformação, pela justiça e pela paz.
As mulheres latino-americanas em suas experiências de fé, colocam a libertação da mulher dentro do processo de libertação histórico, econômico, político e social neste contexto. Aprendem que a libertação dos marginalizados é uma conquista de cada dia. Sendo assim, a luta da mulher por se fazer ouvir não está desvinculada ao seu empenho para obter os direitos de cidadania para si mesma, assim como para todos e todas que se encontram desprovidos dos direitos mais fundamentais para realizar-se como seres humanos livres, criados à imagem e semelhança de Deus.
A articulação entre a ruptura do silêncio e a conseguinte visibilidade das mulheres tem sido objeto de reflexão por parte de muitas teólogas das igrejas cristãs e de outras muitas mulheres em seus trabalhos pastorais. Ainda que o número seja pouco significativo, ocupam lugares de liderança em movimentos sociais, coletivos e grupos ecumênicos porque encontram dificuldades de serem ouvidas em algumas igrejas.
A libertação da mulher leva consigo uma redefinição recíproca da feminilidade e da masculinidade. Ao se descobrir como a pessoa, a mulher redefine o sentido das alternativas que se apresentam na perspectiva cristã. Ser pessoa significa estar aberta à sua própria realização, Não obstante, não se leva a cabo de uma forma isolada ou desligada da história humana. A mulher e o homem como pessoas foram feitos para viver uma relação recíproca, abertos um para o outro em sua comum igualdade diante de Deus, chamados a uma vida de comunhão e solidariedade no mundo que Deus lhes deu para cultivar e guardar (Gn 1, 27-28; Gl 3,28).
Experiência da Vida & Experiência de Deus
A mulher latino-americana relê a revelação e a realidade com vistas a uma libertação não somente pessoal, senão que, para todas as pessoas, ou seja, com vistas a uma libertação comum. Por isso é preciso elaborar uma teologia combativa e aguerrida, que seja capaz de desentranhar da sua raiz as causas da vulnerabilidade ou marginalidade humana a partir da perspectiva bíblica e teológica, com a finalidade de procurar a justiça.
A maneira diferente de fazer teologia a partir da mulher latino-americana se dá em uma interação entre rigor científico e sensibilidade, entre os dados experienciais e a seriedade da investigação, que ajuda a superar a parcialidade de uma teologia reduzida a especulação sem suficiente atenção ao Espírito Santo. Isso acontece porque a mulher não aprendeu nunca a se ver dividida em compartimentos, a mulher é um ser integrado.
Os evangelhos de Lucas e Marcos demonstram que a vocação escatológica das mulheres é a de serem discípulas. Marcos no final de seu evangelho (15:40-41), apresenta a várias mulheres que haviam chegado da Galileia com Jesus desde o começo de sua missão e que permaneceram fiéis até o fim, quando os discípulos haviam fugido. A atitude das mulheres foi seguir e servir, palavras teológicas para falar do discipulado!
As Marias Madalenas de hoje querem levar a mensagem da VIDA NOVA, impulsionadas pela força de transformação que sustenta a vida da mulher latino-americana para gritar diante do mundo que o AMOR é mais forte que a morte que impera na sociedade.
Na Teologia da Libertação, mulheres teólogas querem junto aos companheiros teólogos darem à luz a uma nova forma de se fazer teologia, uma teologia que se faça trabalhando ombro a ombro, esforçando-se no Senhor para a construção de uma sociedade igualitária, equânime, onde floresça vida e libertação, com a que todos e todas sonhamos!
Meu nome é libertação (Poesia, Comunidade de São José, Itaim, São Paulo, 1985).
// Um dia uma mulher gritou sou guerreira e o eco da sua voz se fez ouvir mais além das fronteiras.
Sou mulher mãe guerreira, meu limite já não é mais o lar.
Me chamam de rainha da casa mas eu sou maior do que o oceano e o mar.
Sai… e a aurora ainda não tinha chegado ao céu.
Fui ao Sepulcro do meu povoado – como Madalena um dia e vi… havia uma vida que proclamar!
O meu limite deixou de ser o lar.
Sou mãe …sou a vida.
Sou esposa …sou compreensão.
Sou mulher … sou dor.
Sou povo, sou amor: Anunciação.
Onde tem alguém caído eu levanto.
Onde tem alguém morto, algum enfermo chorando…sou guerreira!
Sou pássaro… canto.
Levanto o meu povo e tiro ele da escravidão.
Meu nome é libertação.
Sou paz, sou a esperança.
Sou arco-íris neste mundo de injustiça.
Sou a igualdade…
Meu nome é fraternidade (sororidade).
Me chamo povo: …sou humanidade. Quem quiser me encontrar …
será fácil …não estou só no lar!
Estou na luta: sou guerreira,
sou negra, sou pobre,
sou velha sou viúva e quase analfabeta.
Mas é fácil me encontrar na luta, no movimento popular.
Todos me conhecem …
Sou resto que sobrou da alegria do amor. Sou tudo o que tem de bom, de sonho, de céu.
sou somente Maria Miguel. //
Vanessa Carvalho de Mello
Docente FTSA
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