A violência contra a mulher em debate

agosto lilás

Da Redação

Desde 2016, ao celebrar 10 anos da Lei Maria da Penha[1] a Campanha Agosto Lilás vem ganhando espaços em todo território nacional no combate à violência contra a mulher. Mas, com certeza, não é um tema para ser tratado apenas durante um único mês. A violência é diária e constante como mostram as estatísticas[2] do Brasil.

Mesmo após a aprovação da Lei de Feminicídio[3] (ou seja, quando a mulher é morta simplesmente por razões da condição de sexo feminino), aprovada em 2015, os índices de crimes contra a mulher só aumentaram nos últimos anos. A cada 2 minutos uma mulher registra agressão sob a Lei Maria da Penha; a cada 9 minutos uma delas é vítima de estupro; a cada 17 minutos uma é agredida fisicamente; de meia em meia hora alguém sofre violência psicológica ou moral; a cada 3 horas alguém relata um caso de cárcere privado; oito casos de violência sexual são descobertos a cada 24 horas e todos os dias três mulheres são vítimas de feminicídio, colocando assim o Brasil na 5ª posição do ranking mundial em casos de feminicídio.

“A realidade brasileira é assustadora em se tratando de crimes de ódio baseado no gênero. Essa realidade precisa nos causar incômodo, preocupação e ação. Como cristãos não podemos nos omitir diante de tanta barbárie”, declara Vanessa Carvalho Mello, docente da FTSA e coordenadora do Coletivo EIG Londrina (Evangélicas pela Igualdade de Gênero)[4] que trabalha diretamente com o enfrentamento da violência contra a mulher. Em sua entrevista, ela explica sobre a necessidade de tratarmos do assunto também no âmbito religioso e acadêmico.

O debate na academia

Neste ano, a EIG realizou várias ações na cidade e lançou a Campanha do Laço Branco com o tema “Homens Pelo fim do Feminicídio”. A campanha que tem apoio de várias entidades, como a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, pretende recolher 10 mil assinaturas de homens, até seis de dezembro de 2019. Homens que assumam o compromisso de jamais cometer um ato violento contra as mulheres e de não fechar os olhos para essa violência.

Há 18 anos se dedicando a projetos sociais e de ações em prol das mulheres, a professora, teóloga e mestre em psicologia social, agrega bagagem e experiência para coordenar, desde 2017, na Faculdade Teológica Sul Americana os grupos de pesquisa científica (os chamados PICs) sobre o grande tema “Mulher, teologia e sociedade” com o recorte de gênero (desde 2019) – “Violência e o sagrado: estudos sobre Deus e a violência contra a mulher”.

“Atendemos na FTSA o que chamamos de demanda espontânea do nosso público. A demanda espontânea é algo que surge de forma natural a partir de uma necessidade coletiva, reflexo de um problema social instalado, neste caso, instalado há séculos, e que, urgentemente necessita ser discutido, pesquisado, analisado e compreendido pelas vias do conhecimento empírico, científico e sobretudo teológico, que é o problema da violência contra as mulheres”, explica Mello.

A FTSA também tem sido palco para as intervenções do Grupo 3º Ato, formado por uma dezena de jovens estudantes do curso presencial em Teologia. Através da cultura, arte e teatro, eles levam a mensagem do Evangelho pelos mais diversos locais, como tribos indígenas, centros urbanos, igrejas e escolas. Uma das ações mais impactantes é justamente sobre a violência contra a mulher; ação idealizada pela graduanda Mayara Araújo e adotada pelo grupo como necessária e urgente. “Para desenvolver a ação, nós usamos, principalmente, os recursos de maquiagem artística para as cenas de agressões e cartazes com frases típicas que as mulheres ouvem. Essas ações são extremamente importantes e impactantes, servem para chocar as pessoas e mostrar que isso é uma realidade próxima de nós”, conta Carmem Valerio Martins, 19, estudante de teologia na FTSA e atual coordenadora do 3º Ato.

Segundo ela, o grupo já sofreu com o preconceito nas ruas e até deboche de alguns homens, no entanto, é grande o número de mulheres que após a apresentação relatam ter sofrido ameaças e outros abusos. “Já ouvimos homens contar histórias de como tinham “motivos” para agredir a esposa, mas não o fizeram. Apesar disso, o resultado é sempre positivo, com muita gente nos agradecendo por mostrar a realidade. Nós precisamos nos unir, pois, é uma responsabilidade muito grande de sempre estar lutando para diminuir os índices de violência contra a mulher”, disse Carmem.

O debate nos espaços religiosos

Vista como uma epidemia social, a violência contra as mulheres é um tema que precisa ser debatido nos espaços universitários e nas igrejas de todo o país. Ainda são poucas as instituições religiosas que encaram o debate de frente. Mas, há exemplos de quem está se movendo para quebrar o silêncio e dar voz às mulheres, como é o caso da Rede Miquéias (6ª Consulta Global, Lima, Peru). O documento publicado também pela Aliança Cristã Evangélica Brasileira[5] traz o seguinte trecho: O Rev. Christopher Cocksworth declara: “Em nome de Cristo, que repetidamente defendeu a dignidade da mulher, todo cristão tem o mandato de se manifestar contra qualquer forma de agressão contra mulheres e meninas, onde quer que se encontre”. Mas temos nos manifestado? O Rev. Andrew Watson, Bispo de Guildford, continua: “Os líderes da fé têm o potencial de fazer parte do problema ou parte da solução.”

Recentemente, a FTSA se fez representada no lançamento da nova campanha da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres de Londrina “Juntas somos mais nos espaços religiosos”, que trata sobre a conscientização e informação como armas de prevenção no enfrentamento à violência contra as mulheres. A ideia é abrir as portas das igrejas para palestras de esclarecimentos sobre como perceber os casos de abuso e como dar encaminhamento nos casos em que a mulher precisa muito mais que uma oração.

Ainda em 2019, a FTSA estará presente em um evento internacional realizado pela REDE TEPALI – Associação de Teólogas e Pastoras da América Latina e Caribe, fundada em 1990, e parceira da EIG Nacional. “Sou grata por poder representar a FTSA no encontro TEPALI 2019 que acontecerá no México, em outubro, onde estarão presentes teólogas e lideranças religiosas femininas latino-americanas e caribenhas, discutindo a temática: La pertinencia de las Teologías Feministas y su incidencia política ante el avance de los fundamentalismos religiosos, conta Vanessa Mello.

Confira a seguir a entrevista completa concedida pela professora:

Vanessa, conte como surgiu a ideia de tratar o tema da violência da mulher na FTSA?
Atendemos à uma demanda natural de nossos estudantes. Mas, não podemos ignorar que em pleno século XXI, a figura da mulher volta a ser o centro dos olhares e das atenções, quer seja dando lugar à especulação, quer seja por sua condição de submissão e opressão social, e quando nos atentamos a essa problemática não podemos esquecer que sobre as teólogas e teólogos pesam séculos de conflitos sobre temas relacionados ao papel da mulher. Pesquisas teológicas acerca do tema da violência servem como elementos transformadores na vida das mulheres que vivem em contextos de opressão, exclusão e violência, criando relações justas numa sociedade fundamentada na injustiça das relações de gênero.

Já é possível contabilizar os resultados desse projeto desenvolvido na faculdade?
Efetivamente. Desde 2017 até agora tivemos alunos e alunas que publicaram suas produções sobre a temática em revista científica. Atualmente os 16 participantes do grupo de pesquisa estão se preparando para a semana de comunicações que acontece em novembro, sendo que 4 dos participantes são representantes da sociedade civil. Há também uma orientação de TCC cujo tema é: A violência contra as mulheres na Bíblia e seus efeitos no imaginário social: Uma análise à luz da teologia latino-americana da aluna Elizabete Sarábia Luquetti (com a qual divido a autoria de um artigo pulicado no site da FTSA – Deus, a Teologia e a violência contra a mulher).  Importante também ressaltar a adesão e procura dos alunos e alunas por projetos dessa natureza. De 2017 a 2019, tivemos 100 pessoas inscritas, entre alunos(as) da graduação e representantes da sociedade civil. É um número bastante alto se pensarmos que nossa instituição é relativamente pequena e possui apenas um único curso de graduação.

Qual a relevância de tratar esse tema numa faculdade de teologia?
É de extrema importância, pois a religião e a teologia têm uma responsabilidade importante no processo de redefinição do que se entende como violência contra a mulher na Bíblia. A necessidade de se compreender que um drama pessoal é também um problema político é fundamental. Interpretar certas narrativas como algo circunstancial e não passar a entendê-las com uma questão política, compreender que possui relação direta com as estruturas de poder do sistema social e patriarcal, é um dos maiores problemas ao se discutir essa temática.

Qual a importância de levar a reflexão também para os espaços religiosos?
É sobretudo para demonstrar que a violência ocorrida contra as mulheres no contexto religioso deriva-se de uma determinada interpretação bíblica que necessita ser reformulada para que a igualdade entre homens e mulheres sejam algo natural no interior das relações religiosas. Além de proporcionar aos membros da igreja e estudantes de teologia, uma reflexão profunda sobre a temática, de modo que possa contribuir para a diminuição do abismo existente entre o pensar e o agir e possam ser transformados por uma nova hermenêutica.

Explique um pouco mais sobre o trabalho da EIG:
O movimento EIG é um coletivo que trabalha para uma consciência bíblico-teológica e política da condição de opressão e exploração sofrida pelas mulheres. Somos mulheres de fé que cooperam para zelar pela liberdade e autonomia das mulheres a fim de que estas possam praticar sua religião com dignidade, sem opressão e desigualdade. Atuamos especialmente por duas dimensões: a da fé e da dimensão pública. Na dimensão da fé, atuamos dentro de nossas comunidades de fé para mudar a vida de nossas irmãs que são sujeitadas a todo tipo de violência; e na dimensão pública, via incidências de políticas públicas afirmativas e implementações efetivas de nossa legislação ao que tange especificamente ao nosso eixo norteador de ações que é o “enfrentamento das violências contra as mulheres.”

A EIG está presente com as seguintes regionais: EIG-Paraná; EIG-Rio de Janeiro; EIG-São Paulo; EIG-Goiás/Brasília; EIG-Espírito Santo e EIG-Belo Horizonte, que se juntam e compõem a EIG-Nacional. Possui diversas parcerias:
CONIC – Conselho Nacional de Igreja, atuamos no Projeto “Casa Comum”, nas cidades de São Paulo e Joinville. A EIG tem uma atuação específica dentro desse projeto que é o diálogo da situação das mulheres imigrantes e refugiadas e a violência doméstica.
REDE TEPALI – é a continuidade da Associação de Teólogas e Pastoras da América Latina e Caribe, fundada em 1990.
UPMs – Universidades dos Movimentos Sociais. Movimento que atuamos junto às mulheres assentadas dos movimentos de luta pela terra agrária e urbana.
SMPM – Secretaria Municipal de Políticas para a Mulher – Prefeitura de Londrina na rede de enfretamento à violência contra a mulher e no Conselho da Mulher dentro do fluxograma de encaminhamentos aos serviços, palestras, cursos e formações.
PLATAFORMA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS: a EIG compõe com outros movimentos sociais esta plataforma que atua especialmente pela Reforma política em nosso país, pelo aprofundamento da democracia representativa.

Fale da Campanha contra o feminicídio lançada recentemente:
A Campanha do Laço Branco surgiu a partir de um triste episódio no dia 6 de dezembro de 1989, quando um rapaz cometeu um crime em Montreal no Canadá matando 14 mulheres pelo fato de serem mulheres. O crime mobilizou a opinião pública de todo país. Assim, um grupo de homens decidiu se organizar para dizer que existem homens que cometem violência contra mulheres, mas existem também aqueles que repudiam essa atitude. Elegeram o laço branco como símbolo da Campanha. No Brasil, foi lançada oficialmente em 2001 e diversas iniciativas já aconteceram nesse sentido. A proposta da campanha é recolher 10 mil assinaturas de homens, até 06 de dezembro, assumindo o compromisso de jamais cometer um ato violento contra as mulheres e muito menos fechar os olhos frente a essa violência. Importante ressaltar que nossa maior apoiadora é a Prefeitura de Londrina, através da Secretaria de Políticas para as Mulheres e que dia 06 de setembro às 9h acontecerá uma cerimônia no gabinete do prefeito Marcelo Belinati de adesão à Campanha do Laço Branco: Homens pelo fim do Feminicídio. Isso é motivo de muita alegria, pois reafirma nossa missão como Corpo de Cristo, conforme diz René Padilla: “Toda igreja, grande ou pequena, necessita de uma visão clara do que significa ser povo de Deus na sociedade secular”.

A campanha também acontece de forma virtual, o que facilita o recolhimento das assinaturas. Para participar é só acessar o link e assinar: CAMPANHA DO LAÇO BRANCO: HOMENS PELO FIM DO FEMINICÍDIO >>

EIG PARANÁ / LONDRINA: meucorpominhafe.londrina@gmail.com

Fontes:

1- LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006 – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm

2- Instituto Patrícia Galvão https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/

Mapa da Violência contra a mulher – https://pt.org.br/wp-content/uploads/2019/02/mapa-da-violencia_pagina-cmulher-compactado.pdf

Mais de 200 feminicídios ocorreram no país em 2019, segundo pesquisador – O Globo – https://oglobo.globo.com/sociedade/mais-de-200-feminicidios-ocorreram-no-pais-em-2019-segundo-pesquisador-23505351

3- Lei – LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm

4- Evangélicas se unem contra a violência – https://www.folhadelondrina.com.br/cidades/evangelicas-se-unem-contra-a-violencia-e-pela-igualdade-de-genero-2959862e.html

5- Violência contra as mulheres nas igrejas também – http://aliancaevangelica.org.br/index.php/recursos/noticias/261-violencia-contra-mulheres-nas-igrejas-tambem