por Alonso Gonçalves*
Uma vez que o protestantismo no Brasil, e no continente latino-americano, tem sua matriz estadunidense, o protestantismo de missão não soube lidar com a brasilidade – sua formação cultural e religiosa. Com um discurso exclusivista teve como resultado: o isolamento cultural – tornou a igreja num gueto de “salvos e santificados” esperando apenas o céu; o não envolvimento com a cultura por considerá-la “mundana”; o discurso hermético – extremamente confessional; a apologética como chave hermenêutica para entender os “sinais dos tempos”. Desse modo, o protestantismo se alimentou de disputas com o catolicismo e propagou um ufanismo, sempre atacando os diferentes, absorvendo a cultura anglo-saxônica e preterindo a brasileira. O resultado disso é um conjunto de crenças, modismos, ideologias, idiossincrasias que, na sua maioria, não contempla o espírito protestante (Paul Tillich).
O discurso civilizador estava presente na pregação dos missionários que, além de passar o Evangelho, propagou também a ideia de que a cultura anglo-saxônica era a melhor forma de viver e expressar o Evangelho de Cristo em terras tupiniquins (WIRTH, 2009, p. 42). Por uma questão óbvia, quando se é “evangelizado” a partir de pressupostos etnocêntricos, se produziu no país temas teológicos importados e traduziram-se textos que refletiam questões que, na sua maioria, não era oportuno por aqui. Os púlpitos externaram uma teologia branca, sem cor, sem tempero. Importou-se uma hinologia que não atentou para as raízes mestiças do país, ignorando a capacidade de miscigenação que o povo brasileiro tem em seus diferentes aspectos (ALENCAR, 2007, p. 79).
O processo de “evangelização” teve uma conotação imperialista[1] que deixou a sua contribuição, mas também se produziu uma visão míope da realidade e cultura brasileira. Mas essa constatação não é de hoje. José Manoel da Conceição, convertido ao presbiterianismo, desde o início procurou agregar a fé, a cultura e as raízes brasileiras ao protestantismo, na tentativa de adequar os princípios protestantes à mentalidade do povo brasileiro.[2] Infelizmente essa foi uma atitude solitária dentro do protestantismo brasileiro.
No Brasil se pensa teologia a partir de referências externas e importadas. A formação teológica nos principais seminários e faculdades respirou por muito tempo – e ainda respira – uma reflexão puritana que tem como compromisso absorver métodos hermenêuticos, teologias, liturgias e agenda pastoral do Norte (SILVA, 2010, p. 147). Essa teologia exógena produzida por aqui deixou suas marcas que até hoje sentimos a sua força desde a produção teológica até a liturgia.
O anseio por uma teologia autóctone é nutrido por grande parte de teólogos brasileiros, e latino-americanos, que olham para a realidade brasileira e da América Latina e esperam que o protestantismo de missão tenha voz e condições de oferecer algo que não seja meramente a formulação de dogmas e doutrinação, mas algo que está para além disso.
Como a produção teológica foi excessivamente importada do Norte, o protestantismo brasileiro se tornou um estranho (o mesmo não se aplica ao movimento pentecostal). Essa dificuldade é evidente na relação que o protestantismo brasileiro de missão tem com a cultura brasileira. Viu no catolicismo um oponente e se distanciou da cultura taxando-a como pagã e, em certo ponto, demoníaca (VELASQUES FILHO, 1990, p. 100). Reparos foram feitos, mas ainda essa é uma perspectiva verificável.
O teólogo presbiteriano radicado no Brasil, Richard Shaull, pagou um alto preço dentro das estruturas políticas da sua denominação por desenvolver uma teologia que fosse aberta para a realidade brasileira, principalmente em relação à política. O mesmo aconteceu com Rubem Alves que teve no mestre Richard Shaull o provocador de novos caminhos, ou a troca deles, levando a olhar não mais para os céus como fim último, mas o mundo e as pessoas (REBLIN, 2009, p. 28). As reações foram devastadoras tanto para Richard Shaull quanto para Rubem Alves. Ambos passaram pelo processo da “Santa Inquisição” e foram banidos da reflexão teológica denominacional. Destarte, com todos os embaraços, ambos deixaram um legado extraordinário que superou e muito as estruturas confessionais. Contribuíram para uma reflexão teológica mais brasileira.
No dia que comemoramos o “Dia do Teólogo/a”, chamamos atenção para a realidade espiritual da nossa gente. Brasileiro é um povo majoritariamente religioso. Aqui respiramos espiritualidade. Assim, é imprescindível que busquemos uma teologia que contemple a construção espiritual da nossa gente com uma reflexão teológica que não ignore as construções religiosas que o nosso povo faz para acessar o Inefável.
Uma vez que a espiritualidade é patente na matriz cultural e religiosa do povo brasileiro, a teóloga/o que atua na comunidade de fé pode perceber que as pessoas anseiam por uma espiritualidade comunitária e solidária (ZABATIERO, 2005, p. 93). Além disso, a nossa gente se enxerga na narrativa bíblica e tornam os personagens seus personagens de caminhada de fé. Daí que a teóloga/o pode favorecer um encontro em torno da Bíblia que seja carregado de entusiasmo comunitário.
Para essa relação teólogo/comunidade, a formação teológica se faz extremamente importante. Por isso, ter acesso a um centro teológico que dê condições para fazer uma leitura teológica que contemple o chão da nossa gente é tarefa inadiável. Por essa razão que a Faculdade Teológica Sul Americana se esmera em preparar pessoas para aturem como teólogas e teólogos que saibam ler as necessidades do nosso povo e, dessa forma, entregar uma reflexão teológica que seja bíblica, mas também tenha qualidade.
Para quem entendeu que a reflexão teológica é o seu principal espaço de atuação para fazer a diferença onde estão, parabéns pelo Dia do Teólogo/a.
* Doutor em Ciências da Religião (UMESP); Pós-doutor em Teologia (PUC-SP); Docente no Programa de Pós-graduação da Faculdade Teológica Sul Americana. E-mail: pralgoncalves@gmail.com
[1] Não cabe aqui o julgamento, apenas constatações, até porque os missionários refletiram a sua cultura e sua cosmovisão daquela época.
[2] Para este tema: ver VVAA. Protestantismo e imperialismo na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1968.
Referências
ALENCAR, Gedeon. Protestantismo tupiniquim: hipóteses sobre a (não) contribuição evangélica à cultura brasileira. São Paulo: Arte Editorial, 2007.
REBLIN, Iuri Andréas. Outros cheiros, outros sabores: o pensamento teológico de Rubem Alves. São Leopoldo: Oikos, 2009.
SILVA, Geoval Jacinto da. Educação teológica e pietismo: a influência na formação pastoral no Brasil, 1930-1980. São Bernardo do Campo: UMESP/EDITEO, 2010.
VELASQUES FILHO, Prócoro. “Deus como emoção: origens históricas e teológicas do protestantismo evangelical”. In. MENDONÇA, Antonio Gouvêa; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990.
VVAA. Protestantismo e imperialismo na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1968.
WIRTH, Lauri Emílio. “Protestantismo latino-americano entre o imaginário eurocêntrico e as culturas locais”. In. FERREIRA, João Cesário Leonel (Org.). Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro. São Paulo: Fonte Editorial/Paulinas, 2009.
ZABATIERO, Júlio. Fundamentos da teologia prática. São Paulo: Mundo Cristão, 2005.