O Coordenador de Graduação Presencial da FTSA, Doutor em História, Wander de Lara Proença, fez uma reflexão sobre o Templo de Salomão, em artigo publicado no jornal o Estado de São Paulo e no portal da UNESP. Leia o artigo abaixo que trata da trajetória da Igreja Universal do Reino de Deus.
por Wander de Lara Proença
A combinação de um conjunto de práticas, aparentemente conflitivas, além da capacidade de ousar e inovar, sempre, têm sido características marcantes deste que pode ser considerado um dos principais fenômenos do campo religioso brasileiro: a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Já no início de suas atividades, demonstrava ruptura e inovação quanto aos lugares de culto. Começando pela pregação solitária de Edir Macedo, em um coreto, na cidade do Rio de Janeiro, em 1977, passando logo depois pela ocupação do espaço de uma antiga funerária, estrategicamente a IURD buscava romper com os modelos convencionais de templos evangélicos, avançando inclusive para espaços antes considerados profanos pelo tradicional pentecostalismo, como cinemas, casas de shows e praças esportivas. O aluguel de grandes espaços outrora ocupados por lojas e supermercados – nas ruas e avenidas de maior movimentação das médias e grandes cidades brasileiras – era mais um sinal de que buscava atingir essencialmente as massas, em suas necessidades mais prementes em um contexto urbano marcado por instabilidade, crise e violência. A partir da segunda década, uma nova estratégia: a construção de suntuosos templos, com capacidade para abrigar confortavelmente milhares de pessoas, chamados de catedrais. A significativa presença de adeptos oriundos das classes econômicas mais elevadas, exigindo um espaço de maior conforto e acomodação, pode ter sido um dos motivos. Porém, mais do que isso, para a IURD era o momento de tornar visível a eficácia de sua mensagem ancorada na chamada “teologia da prosperidade” – que apregoa o sucesso econômico mediado pela fé cristã. A ostentação e o poderio econômico do capital acumulado – transfigurado em bênção divina por uma economia de oferenda, como assinala o sociólogo Pierre Bourdieu – buscavam demonstrar aos fiéis uma coerência entre o discurso e a prática. Também correspondem a esse propósito, o montante de R$ 680 milhões investidos na recém edificação do templo de Salomão, em São Paulo.
Esse templo recém inaugurado simbolicamente apresenta apropriações e ressignificações de práticas vinculadas a outros segmentos religiosos, sobretudo, judaísmo, catolicismo e protestantismo. Em relação ao judaísmo, há tempos que a IURD promove, por exemplo, inscursões à Terra Santa, levando petições e oferendas dos fiéis por meio de um rito denominado “fogueira santa de Israel”. Nesse procedimento, ao invés de sacrifícios de animais como pressupunham os escritos bíblicos na antiguidade, são oferecidos bens materiais, tais como casa, carro e outros valores econômicos. Esse rito de oferendas passa a ser, agora, redirecionado para o Templo de Salomão, visto que no imaginário religioso uma pequena porção da Terra Santa foi transplantada para a capital paulista. Além do que, uma significativa quantidade de símbolos e objetos foi inserida na ornamentação do referido templo, possibilitando aos fiéis um contato mais direto com o corolário descrito nas escrituras bíblicas. Desse modo, reedita-se uma prática com significativa representação para a fé monoteísta: se o muçulmano deve ir ao menos uma vez na vida a Meca, o judeu a Jerusalém, o cristão iurdiano agora deverá fazer o mesmo, em São Paulo.
Em relação ao catolicismo, o Templo de Salomão passa a ser mais uma eficaz estratégia na disputa pela conquista do capital simbólico do campo religioso brasileiro. Desde seu surgimento, o movimento iurdiano nunca escondeu suas três maiores ambições: ser detentora do maior meio de comunicação de massas no Brasil, eleger um presidente da República pertencente à IURD e, finalmente, tornar-se a maior igreja no Brasil, substituindo, para isso, o catolicismo. O novo templo é mais um passo intencionado na busca dessa grandeza, pois, como noticiado, constitui-se no maior espaço religioso do País, quatro vezes maior do que o Santuário Nacional de Aparecida. Além disso, ao construir um centro de adoração com tal suntuosidade ornamental, o movimento iurdiano reaproxima seu discurso de grande parcela do catolicismo, afeita às romarias e peregrinações a locais sagrados.
Em relação ao protestantismo, o novo templo representa uma ressignificação de temporalidade histórica. Práticas de indulgências – oferta de perdão e milagres em troca de valores financeiros – combatidas pelo movimento que deu origem ao protestantismo no século XVI, são agora repaginadas em uma moderna versão “protestante” de indulgências, tornando imprescindível o pagamento pela bênção divina ali ofertada. Outro aspecto, é a riqueza simbólica que ornamenta o templo. Naquele ambiente, o imaginário católico de veneração às imagens é mantido por meio da devoção aos objetos dispostos como ícones no ato de devoção. Desse modo, ali é possível vivenciar a fé evangélica sem deixar de ser católico; agregar novos elementos culturais, sem que se perca a identidade de origem.
Por tais aspectos – numa trajetória iniciada em um coreto, passando pelo espaço de uma funerária, para finalmente chegar ao requinte do Templo de Salomão – a IURD parece promover simultaneamente duas reconversões históricas da fé protestante-evangélica: ao judaísmo e ao catolicismo. Nessa alquimia do inusitado e da inovação, talvez resida um dos segredos do fenômeno iurdiano.
Wander de Lara Proença é Doutor em História pela Unesp de Assis, com tese em história cultural sobre Igreja Universal do Reino de Deus.
* Este artigo foi publicado originalmente no Estadão de 5 de agosto de 2014.