Natal: O Magnificat de Maria

O “Magnificat”, conhecido como “Cântico de Maria”, registrado em Lucas 1:46-55, está basicamente dividido em duas partes: (1) o que Deus fez com Maria (46-50) e (2) o que Deus fez e faz na história (51-55). Esta reflexão foca a segunda parte.

De acordo William BARCLAY, “o Magnificat é o documento mais revolucionário do mundo” (BARCLAY, William. The gospel of Luke. Louisville: Westminster John Knox Press, 1975, p. 19). Veja se você concorda!

Maria utiliza verbos que revelam seu entendimento da ação de Deus na história e que também seriam a missão futuro do Messias. Tais verbos não são meras palavras, ditas de modo aleatório, mas revelam as ações de Deus na história da humanidade através do Seu Filho, o Messias. As ações (verbos) são:

AGIU – DERRIBOU – ENCHEU – AMPAROU. Essa é “revolução” de Deus na visão de Maria.

Os verbos estão no passado. Existe uma longa discussão sobre isso. Por hora, o que importa é o reconhecimento de que do mesmo jeito como Deus agiu no passado, continuará agindo no futuro.

1. “AGIU” PODEROSAMENTE PARA DISPERSAR OS SOBERBOS
“Agiu com o seu braço valorosamente; dispersou os que, no coração, alimentavam pensamentos soberbos” (v. 51).

BARCLAY chama isso de “revolução moral”.

Agiu poderosamente contra os arrogantes em suas atitudes. Arrogância é oposto de humildade. Talvez seja isso que Simeão quis dizer ao afirmar: “Eis que este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição” (2:34). No reino de Deus não há espaço para orgulhosos e para isso inclusive Deus “agiu com o seu braço valorosamente” para erradicar tal atitude do coração dos que “alimentavam pensamentos soberbos”.
“Cristo nos capacita a ver nós mesmos. É o sopro da morte do orgulho. A revolução moral começou”, afirma BARCLAY (1975, p. 19).

2. “DERRIBOU” OS PODEROSOS PARA EXALTAR OS HUMILDES

“Derribou do seu trono os poderosos e exaltou os humildes” (v. 52).

BARCLAY chama isso de “revolução social”.

Derribou é ‘kathaireo” no grego, com significados de “tirar, fazer descer, derrubar e demolir”. Deus não tira por tirar, mas tira para por. Deus tirou Saul do trono e pôs Davi em seu lugar. E “Deus lhe dará o trono de Davi seu pai; e reinará eternamente sobre a casa de Jacó, e o seu reino não terá fim (Lc 1:32-33).

3. “ENCHEU” OS FAMINTOS PARA DESPEDIR OS RICOS

“Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos (v. 53).

BARCLAY chama isso de “revolução econômica”.

Assim é uma sociedade sem Deus: cada um pega para si cada vez mais e o tanto quanto puder. Essa regra econômica não faz parte do Reino de Deus. A revolução econômica que o Cristo trouxe é essa: “Ainda te falta uma coisa; vende tudo quanto tens e reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me”, disse Jesus.

“Famintos” aqui é “peinao” no grego que significa “ter fome, estar faminto, passar necessidade, estar paupérrimo”. Em contrapartida, “rico” aqui é “plouteo”, que significa “ser rico, ter abundância de possessões materiais, ricamente suprido”.

Sem essa revolução social o mundo jaz na injustiça e iniquidade, onde os “paupérrimos” vivem sem dignidade e os que possuem “abundância de possessões” vivem nababescamente. É uma questão de equidade e justiça social.

4. “AMPAROU” SEU POVO COM MISERICÓRDIA
“Amparou a Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da sua misericórdia a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre, como prometera aos nossos pais” (v. 54-55).

BARCLAY não menciona alguma revolução aqui.

Chamo de “revolução espiritual”.

“Amparou” no grego é “antilambanomai” que significa “segurar com firmeza alguma coisa, pegar uma pessoa ou coisa a fim de ajuda-la, abraçar, beneficiar-se”. É a revolução da relação espiritual entre Deus e seu povo. Deus “abraça” seu povo e “segura com firmeza”, desde os tempos passados de Abraão e para sempre, revelando-se ser Deus de geração em geração. Seu povo não é qualquer povo. É povo da promessa, povo do pacto cuja marca distinta dever ser um povo “servo” e um povo “fiel”, que mantém viva a memória e sempre diante de si o “favor” da “misericórdia” de Deus. Portanto, um povo cuja vida espiritual está “amparada” em Deus e sua misericórdia.

Você concorda com William BARCLAY que “o Magnificat é o documento mais revolucionário do mundo”? Maria percebe o agir de Deus na história no sentido de trazer uma “revolução moral”, “revolução social”, “revolução econômica” e uma “revolução espiritual”.

“Moral” porque a arrogância precisa dar lugar a humildade;
“Social” porque os poderosos não olham para os sem voz e indefesos e por isso serão destronados;
“Econômica” porque os abastados não podem ignorar os em privação de bens;
“Espiritual” porque Deus quer um povo servo que reconhece que Suas misericórdias não tem fim.

Um cântico que revela os contrastes da sociedade injusta: “poderosos” que esmagam os “humildes” e “ricos” que esfolam os “famintos”.

E Maria entende que o Filho que ia carregar em sua barriga iria fazer tudo isso e por isso ela celebra cantando: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador” (v. 46-47).

Um Natal muito diferente que nós estamos acostumados a celebrar e cantar nos dias de hoje, não é mesmo? Eu não tenho como não concordar com William BARCLAY que “o Magnificat é o documento mais revolucionário do mundo”.

Feliz “revolução”, feliz “Natal”!

Jorge Henrique Barro é Doutor em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (EUA), Professor e Diretor do Departamento de Desenvolvimento Institucional (DDI) da Faculdade Teológica Sul Americana, Avaliador do MEC para Teologia