Não é fácil escrever sobre a Páscoa, seja ela a cristã, a judaica ou até mesmo as páscoas dos povos. Qualquer tentativa de ilustrar o sentido, cada palavra ou expressão são apenas descrições, ora históricas, ora religiosas, ora metafísicas, ora da experiência humana de superar sofrimentos. Hoje, serei mais um a atrever-se a refletir sobre esta festividade.
A páscoa é um evento celebrativo. Deve-se festejar, alegrar, comemorar, participar do rito. Ela é a celebração da vida, não da vida que mensuramos no nascimento, mas de cada momento em que damos um recomeço na construção dela. Afinal, esta festa, enquanto celebração, possui o poder de nos fazer pertencer à renovação das desilusões, das depressões, das angústias, das desesperanças, das perdas e, principalmente, dos maus hábitos e vícios geradores da morte. Devemos celebrar este evento porque, como humanos, temos que entender a respiração, o trabalho e a relação afetiva como possibilidade de nos alegrar, ou melhor, a de pertencer à Criação e ao Criador. Deixar de celebrá-la é renunciar à oportunidade de dizer que é ser vivente. Celebrar a páscoa é sinal de viver a vida. Deve-se participar do rito, não o que é imposto pelas culturas do comércio, indústria e religião, mas participar do rito de sua própria vida. Afinal, você é, hoje, a prova de que páscoa já te alcançou e tem feito renovações constantes em seu espírito, em sua alma e no seu corpo. Celebre-a, portanto.
A páscoa também é um evento histórico. Ela teve a competência de registrar em culturas remotas a ritualização, gerando a compreensão e o sentido de libertação, de renascimento e de redenção humana. Esta festa é uma das performances que a História nos deu: ela implantou o divisor de povos, de calendários, de situações temporais e espaciais. Também deliberou as estratégias da economia e vem, mais recentemente, determinando os alcances socioculturais do devir histórico contemporâneo. A páscoa é sim a marcação do passado sendo recontado pelo presente, a fim de indicar a prosperidade do futuro. Há indivíduos que a ignoram, até mesmo os historiadores. Mas aqui, afirmo que contar este evento é como entender a dinâmica da história, conquanto a própria História impõe-nos uma leitura redentora do mundo. O olhar melancólico sobre a história é necessário, mas a festa pascal faz-nos acreditar que ocorrerá na História a inserção divina definitiva – e é neste sentido que, em cada celebração da páscoa, a História redime a humanidade. Ouse inscrever seu nome na História através da páscoa… Fazer isto é o “devir histórico” de cada um de nós.
A páscoa é essencialmente religiosa. Ela religa a criação ao Criador, ela exemplifica e tipifica o plano divino dos verbos renascer, ressurgir, ressuscitar. Imagine vários “modelos” culturais e religiosos da páscoa: a fênix, que ressurge das cinzas; o coelho, que traz o sentido da fertilidade; o cordeiro imolado e a passagem de Deus sobre o Egito; o túmulo vazio, que prova a ressurreição do Salvador, entre outros. Sei que há outros, inclusive os hollywoodianos, tais como Matrix, Avatar, Senhor dos Anéis, Interestelar e outros mais. Como estudioso, ficarei com a ilustração do túmulo vazio porque ela nos dá a dimensão do efeito redentor. Não é uma volta à vida biológica, mas a volta com uma vida totalmente transformada, a aiônica (eterna). Não existe renascimento sem transformação. A ressurreição nos permite entender o porquê das radicais mudanças na vida: ética, moral, estética, profissional, social, enfim integral. A ressurreição é como uma semente em nossa consciência. Ela foi plantada para que entendêssemos a essência do Redentor em nós. Ela já germinou e vem crescendo constantemente. Não é uma proposição autenticamente religiosa, mas é a compreensão de que cada criatura se sintoniza com o Criador mediante o efeito redentor.
Nenhum elemento da criação ressurgirá sem o efeito desse ato redentor, nem mesmo os que dizem não aceitar tal proposição… A criação é o palco onde a ressurreição acontecerá: todos os eleitos e todos os não eleitos. A ressurreição é a potência divina em nós, levando-nos à compreensão da eternidade, da esperança vindoura, do amor incomensurável, da graça vivificante e da justiça plena de participarmos da glória do Soberano. A supremacia do Redentor tem sido outorgada às grandes “cabeças” (lideranças), sejam elas cristãs, evangélicas, judaicas, enfim outros simulacros religiosos. Todavia, tais cabeças têm liturgicamente reduzido o tema da ressurreição ao deus Mamon, quando os ovos de chocolate são distribuídos pelos fiéis aos próprios fiéis da comunidade.
Há anos temos sido dominados pela páscoa demoníaca. Sim, os demônios da Economia e da Política também têm ludibriado as lideranças religiosas. Ora, se a política nacional precisa do efeito da ressurreição para que haja nova redenção brasileira, novos políticos, totalmente redimidos (transformados), mais ainda as igrejas brasileiras (entendam-se as denominações como partidos). A religiosidade cristã-evangélica não ressurgiu, mas vem reproduzindo o modelo econômico e político do cenário nacional. Não há redenção para os que outorgam esse tipo de engodo.
Amo ovos de chocolate e até presenteio alguns próximos a mim com eles. Jamais na época da páscoa. Como dizer para alguém: “Feliz Páscoa”, se ela espera de mim ovos de chocolate? Lamentável mesmo, não é? Pois bem, continue assim e deixe de dialogar sobre como você vem sendo transformado e renascido das cinzas. Afinal, Ele levantou-se do túmulo e tem vivido até hoje em nós, através do Seu Espírito. Creio que precisamos renascer para a própria páscoa.
Portanto, deixe a páscoa fazer sentido para ti. Pelo menos, hoje. Precisamos renascer. Ressurgir “dentre os mortos” e ressurgir com novidade de vida. Afinal, quando Ele “levantou-se” quis dizer “Feliz páscoa, pois ressurgi, estou vivo”.
Por último, há algum tempo tenho tentado ser diferente. Algumas superações, conquistas, reconfigurações, remodelagens e até mesmo ressuscitações. Vejam bem “ressuscitações”, não ressurreições. Não é fácil viver, não é fácil crer, não é fácil ser ser humano. Difícil é não querer viver, não querer crer e querer ser divino. A cada páscoa, ressurjo de uma perda: a de crer esperançosamente de que a promessa feita há de ser cumprida. Creio nisto, vivo por isso, celebro isso e registro isso. A páscoa, para mim é tudo isso: celebração, história e religião. Há outros, mas esses três sintetizam o que venho confirmando através das constantes transformações de minha vida.
Hoje, digo-te: “Feliz Páscoa! Ele levantou-se”!
Prof. Ênio Caldeira Pinto