Dia da Educação
por Prof. Ênio Caldeira Pinto
Introdução
O tema educação vem sendo pauta de várias discussões mundiais. Uma delas foi em 1990, a Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, na Tailândia, cuja promoção estabeleceu compromissos mundiais que deram garantia para todo o ser humano o acesso aos conhecimentos básicos e necessários para construir com dignidade a vida. E, ao longo dos tempos, outros eventos dimensionaram a eficácia da educação como sendo uma das ferramentas mais eficazes de transformação social.
Se atentarmos para o alcance geográfico, as mensurações celebrativas da educação já vem sendo internacionalmente sugerida para o dia 24 de janeiro de cada ano pela ONU (Organização das Nações Unidas), desde 2018 (denominada Dia Internacional da Educação). Naquela ocasião, o objetivo foi o de fomentar o papel fundamental que a educação tem para o desenvolvimento da paz, do conhecimento e da ciência entre as nações. Esta instituição celebrativa acabou contribuindo para que cada país otimizasse a educação enquanto um direito humano, um bem público e uma responsabilidade pública.
Foi no Fórum Mundial de Educação que o tema da educação ganhou maior projeção e conscientização mundial. O evento ocorreu em Dakar, no Senegal, no período de 26 a 28 de abril de 2000. Neste evento, a concentração de cerca de 180 países sinalizou a relevância do tema para a transformação social. Encontraram-se neste fórum os representantes de 180 países, mas somente 164 assinaram o documento final, incluindo o Brasil, indicando seis metas a serem atingidas até 2015. Naquela época (2000), as metas sinalizadas foram as seguintes:
- Expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, principalmente as que se encontram em situações de risco;
- Garantir que o acesso à educação primária de qualidade seja um direito de todas as crianças até 2015, proporcionando as mesmas oportunidades para meninas e crianças vulneráveis;
- Assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso justo à aprendizagem apropriada, a habilidades para a vida e a programas de formação para a cidadania;
- Aumentar os níveis de alfabetização de adultos em até 50% até 2015 através da educação continuada, especialmente para as mulheres;
- Eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e atingir a igualdade até 2015;
- Melhorar a qualidade da educação, garantindo o desenvolvimento pleno na alfabetização, matemática e habilidades essenciais para a vida.
Vencido o prazo, os relatórios foram reavaliados e as estratégias utilizadas foram justificadas. A partir da análise desses relatórios, novas mudanças foram indicadas e metas foram estabelecidas para 2030. Desde então, escolheu-se a data de 28 de abril para celebrar o Dia Mundial da Educação. Os países regionalizaram o tema da educação por meio de subprojetos, a fim de atingirem os objetivos propostos para 2030. O Brasil sinalizou seu principal objetivo a partir da alfabetização e fomento de outros níveis (técnico e superior) por meio do PNE (Plano Nacional de Educação) em 2014 e será reavaliado em 2024. “O PNE é um planejamento de médio prazo que orientará todas as ações na área educacional do país, exigindo que cada Estado, o Distrito Federal e cada município tenham também um plano de educação elaborado em consonância com o PNE” – diz o informativo do MEC.
Então, surge o papel do educador, aquele que irá conduzir a criatura ao conhecimento de Deus. A ação de conduzir alguém já nos indica o processo – algo que refletirá sobre desenvolvimentos – de efetivar estratégias educacionais
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Educação e teologia: parceiras para a transformação social
Parece estranho teologia e educação unirem-se para sustentar o pressuposto que ambas foram especulações da filosofia acerca da teoria do conhecimento. Não fosse a distância temporal produzir em nós as reminiscências, as vãs imagens de pseudo lembranças, resta-nos agora viver a partir dos registros daqueles que ousaram interrogar o porquê das coisas.
Questionar é aptidão para os que sabem meditar, contemplar e refletir. Essa faculdade pertence aos audaciosos da história, aos pensadores da finitude existencial e aos mestres. Refletir sobre a quatro dimensões da ação narrativa (ter-que/querer-fazer, poder-fazer, dever-fazer e saber-fazer) é tarefa somente dos que lidam com a arte de construir vidas, aquela feitura de conduzir o ser humano para a vida em sociedade. Questionar é, ainda, a arte de tecer comentários, cujas críticas (do grego, krivō) estabelecerá os critérios para o julgamento correto. A crítica funciona como uma espécie de aprendizagem, pois ela capacita o indivíduo a responder aos porquês e também colocar-nos no reto caminho da argumentação. Perecemos porque não questionamos.
“Por que nasci?”, “Quem é Deus?”, “Para onde irei, se o fim é uma ilusão?”… Essas e muitas outras interrogações levam-nos a entender sobre o processo de ensino e de aprendizagem nos papéis de educador e teólogo. Para mim, teologar é a capacidade de transmitir especificamente as vontades divinas para cada criatura de Deus. Para que isso aconteça, o teólogo dever ser capaz de:
- a) fazer a criatura interagir com o Criador e as demais coisas criadas;
- b) conscientizar integralmente a criatura sobre o processo de redenção;
- c) relacionar a reflexão bíblica e teológica com a eclesiologia missionária;
- d) questionar as ações cristã-evangélicas individuais e institucionais, à luz de uma abordagem crítico-social com vistas à redenção de ambas;
Então, surge o papel do educador, aquele que irá conduzir a criatura ao conhecimento de Deus. A ação de conduzir alguém já nos indica o processo – algo que refletirá sobre desenvolvimentos – de efetivar estratégias educacionais, ou seja, aderir aos estágios, etapas, unidades epocais (ou temporais), abordagens, teorias, práticas, enfim adotar percursos de produção cognitiva, registro de práticas-experiências e fortuitos desafios de investigação.
Assim sendo, educar significa levar o indivíduo ao pleno uso de suas habilidades para a cidadania, inserindo-o culturalmente ao contexto da globalização. É religar a criatura com o Criador e estabelecer definitivamente a consciência de cidadania celestial. Educar é promover o reino, cujos súditos guardam no coração os decretos divinos e os reproduzem aos demais. A arte de educar é para os que sabem sensivelmente produzir identidade no próximo, facilitando-lhe os níveis de conquistas e levando-o à liberdade.
Saber teologia não significa teologar. Saber educação não significa educar. Ambas são dons divinamente concedidos, cuja unicidade é a prova de que o teólogo ensina e o educador faz teologia. Aprendi mais teologia com o educador Ruben Alves do que quando o denominávamos teólogo. Com o jornalista Gilberto Dimenstein, assumi leituras sobre sonhos e realizações da educação. E com o crítico da modernidade e filósofo, Walter Benjamin, entendi o conceito da história nos quesitos tempo e narração. Além de Carlos Cipriani e Saviani, percebi os contextos da educação libertária, libertadora, reprodutora e criadora. E aprendi muito mais educação com Júlio Zabatiero, Danilo Streck, Gabriele Greggersen e outros. Todos teólogos, mas também educadores. E há ainda os visionários, tais como: Carlos Eduardo Pereira, Jonas Dias Martins, Zaqueu de Melo e Antonio Carlos Barro. Teólogos e educadores são únicos porque amam o mesmo ministério: conduzir pessoas à salvação em Cristo Jesus.
Portanto, pensar em fazer teologia é pensar em processo educacional. É querer conhecer as abordagens, os métodos, os objetivos, os recursos e os conteúdos. É também cogitar sobre o tempo cairótico desse processo, é estabelecer os avanços no tempo cronológico para a plenitude do reino. Teólogos e educadores trabalham com o mesmo objetivo: educar para a cidadania (politeuesthe, Fp 1:27-30).
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A educação é sim transformadora
Gosto muito do texto de Peter C. Hodgson God’s wisdom: toward a Theology of Education (A sabedoria de Deus: para uma teologia da educação, 1999), especificamente o terceiro capítulo, no qual ele discorre sobre cinco propostas metodológicas, as quais ele mesmo as intitulou de Pedagogia Transformadora: teorias modernas e pós-modernas (p. 51-86).
A primeira proposta faz a relação entre educação e formação da vida. Deixando para traz os termos torah e paideia, agora o foco é em morphosis (formação) e metamorphosis (transformação). Hodgson descreve seis teóricos sobre esse tema. Primeiro, baseando em John Dewey, ele transcreve duas definições que valem a pena considerar: (a) “educação é uma necessidade da vida” (p. 53), e (b) “educação representa os meios de continuidade social da vida” (p. 54). Então a vida se torna um objeto final da educação porque carrega em si a substância da cultura (cf. Tillich apud Hodgson, p. 54). Segundo Hodgson se apoia no cientista político Charles W. Anderson que considera o objetivo de a universidade conduzir o jovem para a vida de um povo, e que a religião favorece a dimensão educacional nesse processo de condução. Então, a educação pode ser entendida como: (a) um processo da formação da personalidade e (b) um crescimento ou desenvolvimento da vida em formação. Terceiro, o autor sintetiza a compreensão de Bernanrd Meland sobre a consciência criadora humana como um nível de movimento contínuo entre as estruturas físicas e de virtudes (espírito). Quarto, é a vez de Howard Gardner, o expositor das inteligências múltiplas, afirmar que sua teoria se relaciona à vida em formação porque ela “se relaciona aos múltiplos aspectos da experiência da vida” (p. 58). Quinto, Gabriel Moran amplia o conceito das inteligências múltiplas, declarando que este é um “processo de vida com longa interação com os ambientes natural e cultural pelos quais os indivíduos crescem e são transformados” (p. 58). Sexto, trata-se de apenas um alerta feito por Edward Farley sobre o “aprendizado organizado”, uma espécie de educação com o objetivo de “transmitir pelos meios de um processo sequencial de atividades didáticas disciplinadas tanto os insights como os depósitos do passado e métodos e modelos de pensamento e trabalho que capacitam a novos insights” (p.58). É esclarecedora a afirmação de Hodgson quando diz que “uma vez que a educação chegou para dar sentido à formação da vida, o aprendizado organizado inevitável ou necessariamente desaparece” (p. 58).
A segunda proposta afirma que a educação acontece ritmicamente, move-se através dos vários ciclos ou estágios. Em rápidas palavras, Hodgson resume os conceitos de Platão, Agostinho e Tomás de Aquino. Mas é em três outros teóricos que ele explica o ritmo da educação. O primeiro é Friedrich Hegel e sua teoria dialética, a partir da qual três consideração são pertinentes a favor da educação: (a) universalidade, (b) particularidade e (c) individualidade ou singularidade. Essas considerações referem-se aos estágios que dinamizam e dão sentido ao processo educacional na formação do indivíduo. O segundo é Alfred North Whitehead que, ampliando a teoria de Hegel, estabelece três estágios do ritmo da educação: (a) romance, que se refere ao estágio de apreensão, geralmente a educação primária, (b) precisão, quando a proficiência linguística é adquirida e se torna uma ferramenta científica, muito frequente na educação secundária, e (c) generalização, estágio da educação universitária, no qual se pressupõe a aquisição das ideias gerais e aplicação em situações concretas. É salutar a explicação que Hodgson faz sobre o que ele considera esse processo integralmente cíclico e rítmico como sendo a paideia, no sentido da formação da personalidade humana (p. 63). O terceiro teórico é Mary Elizabeth Mullino Moore que combina a filosofia de Whitehead e o método gestaltista para um ensino de abordagem integradora. Ela estabelece três momentos: (a) exposição do indivíduo aos elementos culturais; (b) o encorajamento dos indivíduos na busca pela unidade dos elementos culturais; (c) a capacidade de preservar a complexidade dos detalhes. Na verdade, é uma exemplificação de Whitehead, com nuances mais contemporâneas, vista em seu livro Teaching from the Heart: Theology and Educational Method (Ensinando do Coração: teologia e método educacional).
A terceira proposta é que a Pedagogia Transformadora precisa de um conhecimento construtivo e interativo. Passeando sobre o conteúdo da Torah, da revelação de Deus, dos filósofos gregos Platão e Sócrates e da epistemologia sobre as culturas, é a partir do Iluminismo que Hodgson se concentra para dissertar sobre o conhecimento de Deus numa perspectiva construtiva e interativa. Para ele, “o conhecimento é uma atividade social, algo que ocorre em uma comunidade de discurso” (p. 67), fazendo com que percebamos que a comunicação (discurso) se torna a chave da educação construtiva e interativa. Através do estudo feito com mulheres por Mary Field Belenky, percebeu-se o avanço numa perspectiva do “conhecimento construto”, uma abordagem que permite-nos entender que “todo conhecimento é construído, e o conhecedor é uma parte íntima do conhecido” (p. 68), pois há: (a) uma relação de dependência na construção com a verdade e (b) “quando a verdade é vista como um processo de construção na qual o conhecedor participa, uma paixão pelo aprendizado é desenfreada” (p. 68). Já Bernard Meland traz um contraponto a essa questão quando afirma que há “um tipo de pensamento que prevalece muito na educação hoje (analítica, descritiva e instrumental) e que capacita os estudantes a tomar coisas a parte, mas não reconstruí-la ou ver coisas em suas relações” (p.69). Esse tipo de abordagem levou a considerar outros níveis do pensamento (por volta de seis), sendo que o último se refere à (re)construção do conhecimento, verdade, pensamento e ser.
A quarta proposta considera a educação como prática da liberdade, ou seja, o ser humano sai para conectar-se com o mundo, tanto em um processo histórico como em um ambiente natural e social. Baseando-se em uma literatura latino-americana e escolanovista, Hodgson tematiza esse assunto em três, quais sejam: (a) pedagogia engajada e prática da liberdade, auspiciada por Gloria Watkins (pseudônimo de bell hooks) e acrescenta a formação espiritual. Sua abordagem perpassa na teoria freiriana sobre a pedagogia libertária, causando impacto por ter uma visão feminista sobre os relacionamentos baseados no reconhecimento mútuo; (b) democracia radical e transformação social, a partir da qual cita novamente Paulo Freire, acompanhado de Martin Luther King Jr. (revolução dos valores). Vale a pena repensar alguns parágrafos que Hodgson escreveu, citando autores, e sobre o que ele pensa em “liberade” vinculado à democracia. Da mesma forma, entender criticamente a proposta de Dewey para uma sociedade democrática, mas que manipula a comunicação; (c) estudos culturais e discursos pós-coloniais compreendem as contribuições de Henry Giroux, Peter McLaren e bell hooks sobre a possibilidade de diálogo referente à educação recebida em contextos coloniais, salientando, contudo, o conflito entre as partes como ambiente educacional.
A quinta proposta expõe um ensino conectado e um aprendizado cooperativo nas interrelações Deus (verdade) e humanidade (conhecimento) com os termos professor e aluno. Hodgson resume as compreensões de vários autores, desde Sócrates até Bushnell, esclarecendo que todos estão conjuntamente participando de um processo redentor através da prática da educação. Ao mesmo tempo que os conteúdos interagem em diversas áreas do conhecimento, professores e estudantes cooperam entre si para a transformação social.
A teologia, enquanto ciência emergente, postula ad veritas a educação como ferramenta presente em todos os movimentos da missio-Dei. Todas as disciplinas da teologia prática são educacionais porque conduzem os processos de formação e transformação de vidas.
Considerações finais
Pessoalmente, reconheço na ação primária da FTSA o ministério essencialmente educacional, pois ela é uma instituição de ensino (superior) que oferta um programa para a formação de pessoas com vistas ao serviço diversificado do reino de Deus. Toda a estrutura é pensada e estruturada (designed) com os postulados de objetivo, clientela, recursos, programas, planos de aula, matriz, projeto pedagógico, resoluções, diretrizes curriculares, leis, entre outros a partir da compreensão que todo indivíduo, homem e mulher graduados em teologia, é um agente de transformação social. Considerando todas as criaturas presentes no universo são resultados da ação criadora de Deus, o graduado em teologia reconhece o chamado divino para participar no resgate de toda a criação decaída.
Portanto, o ministério educativo da FTSA adota a Palavra de Deus como repertório educacional, os quais juntamente com os documentos legais (normativos) do governo brasileiro harmonizam-se na qualificação de homens e mulheres, no desenvolvimento das capacidades cognitivas (competências e habilidades), no aperfeiçoamento da cidadania e na disponibilização de obreiros para as comunidades cristãs e demais organizações que anseiam líderes e mobilizadores da shalom de Deus nas cidades. A FTSA é uma instituição de ensino teológico que vem há 28 anos indicando um modelo bíblico de educação para todos os que enxergam o ministério cristão como um espaço do poder de criar.
Todos os dias são dias de ensino e aprendizagem. Hoje é um pouco diferente: gastamos um tempo refletindo sobre como a educação de Deus vem sendo efetivada em nossas vidas. Deus é o nosso professor (rabi, no aramaico). E cada um de nós assume o ensino recebido. Agora precisamos comprovar para Deus sobre como devolvemos este ensino para as outras pessoas. Este dia é hoje: 28 de abril. Um dia totalmente dedicado ao nosso ethos: educados pela justiça de Deus.
Referências
HODGSON, Peter C. God’s Wisdom: Toward a Theology of Education. Louisville, KY: Westminstr John Knox Press, 1999, 168 páginas.
http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/47561-dia-mundial-da-educacao