Protestantismo: Legado e Potência

No dia 12 de Agosto, Dia do Presbiterianismo no Brasil, convidamos o autor de “Teologia Protestante das Religiões – Uma proposta teológica em perspectiva latino-americana” (Editora Recriar), Alonso Gonçalves para falar sobre a o legado do protestantismo nacional. Confira o artigo a seguir:

 

Protestantismo: Legado e Potência

Por Alonso Gonçalves

O protestantismo no Brasil tem suas ambiguidades assim como qualquer movimento social e religioso, mas há elementos que contribuíram para o desenvolvimento de setores fundamentais da sociedade brasileira. O protestantismo surge com um comprometimento político-social para o seu tempo. A recusa por qualquer sistema de governo absolutista; a educação como meta de cidadania; a ciência e a busca por novas descobertas de conhecimento e, como consequência, o apelo ao desenvolvimento do ser humano. Como protagonista da modernidade, o protestantismo levantou a bandeira da liberdade. Liberdade para tolerar o outro e suas opções, principalmente religiosa (John Locke); liberdade de consciência e expressão e o conceito de individualidade como fundamento de dignidade humana se constituiu como elemento imprescindível para o protestantismo. Não por acaso que o protestantismo esteve envolvido com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse é o legado do protestantismo e a sua potência narrativa ao longo da história.

O protestantismo por aqui sofreu sérias mutações e passou por um processo de desvirtuamento. A capacidade de diálogo, tão singular nos primórdios do protestantismo, inclusive sinalizando com o diálogo ecumênico, sofreu baixas ao longo de sua trajetória em terras tupiniquins. Uma vez que o protestantismo no Brasil, e no continente latino-americano, tem sua matriz estadunidense, o protestantismo de missão não soube lidar com a brasilidade – sua formação cultural e religiosa. Com um discurso exclusivista teve como resultado: (i) o isolamento cultural – tornou a igreja um gueto de “salvos e santificados” esperando apenas o céu como prêmio; (ii) o não envolvimento com o “mundanismo” como evidência de salvação, daí a dificuldade de uma inserção maior na cultura do país; (iii) o discurso hermético, codificado para a grande maioria da população; (iv) a apologética como primeira reação aos “sinais dos tempos”, elegendo o embate doutrinário como principal caminho de interação no espaço público. Desse modo, o protestantismo se alimentou de disputas com o catolicismo e propagou um ufanismo, sempre atacando os diferentes, absorvendo a cultura anglo-saxônica e preterindo a brasileira. Ainda assim, o protestantismo seguiu com sua potência quando diante de desafios e cenários da contemporaneidade. É essa potência do protestantismo que favorece as possibilidades. Assim, surgiu uma nova geração de cristãos que souberam ler os “sinais dos tempos” e, focados na mensagem do Evangelho de Jesus de Nazaré, ressignificaram o legado do protestantismo fazendo emergir, novamente, a potência polissêmica do protestantismo.

Enquanto o protestantismo que chegou ao Brasil produziu uma reflexão teológica em que aliou a conquista da cultura local e a inculturação da cultura anglo-saxônica, há quem reivindicou o legado e a potência do protestantismo para reafirmar e produzir teologia autóctone, a partir de uma teologia contextual levando em consideração o sofrimento e a esperança da nossa gente. Enquanto o protestantismo que chegou ao Brasil pautou um discurso civilizador presente na pregação dos missionários, que além de passar o Evangelho propagou também à ideia de que a cultura anglo-saxônica era a melhor forma de viver e expressar o Evangelho de Cristo, há quem viu na cultura brasileira uma chave hermenêutica para falar a linguagem da nossa gente e fazer teologia pisando o chão da nossa realidade. Enquanto alguns grupos da grande ramificação protestante entendeu que a única teologia válida é aquela que vem de fora, e por isso os livros traduzidos e o conteúdo teológico importado, há quem começou a valorizar a reflexão e a produção teológica de autores/as latino-americanos com o foco em uma missão que integrasse a vida com suas questões prementes.

O legado e a potência do protestantismo têm a capacidade de promover reflexão aliada à práxis. É esse legado e potência do protestantismo que fez com que José Manoel da Conceição agregasse a fé, a cultura e as raízes brasileiras ao protestantismo, na tentativa de adequar os princípios protestantes à mentalidade do povo brasileiro; é esse legado e potência do protestantismo que alimentou a capacidade intelectual de Erasmo Braga na caminhada da unidade cristã; é esse legado e potência do protestantismo que levou Rubem Alves a denunciar uma teologia enrijecida e dogmatizada; é essa potência profética do protestantismo que fez David Malta sentir compaixão social e reivindicar justiça social.

O protestantismo segue sendo ambivalente em termos de posturas e comportamentos; ambíguo em relação aos poderes; plural enquanto retórica teológica. Mas não é possível ignorar a sua potência enquanto força que provoca releituras e torna possível ressignificar experiências, pois seu legado continua sendo atual porque tem como princípio ser protestante.