Sobre Proverbiar, Educar e Viver

“Se procurar a sabedoria como se procura a prata e buscá-la como quem busca um tesouro escondido, então você entenderá o que é temer o SENHOR e achará o conhecimento de Deus”. (Provérbios 2.4-5)

Na Bíblia toda há uma boa parte de textos sendo devotada à questão do ensino e da sabedoria. A trajetória do próprio Jesus e dos discípulos tem tudo a ver com isso. Em Jesus vejo Deus como o grande professor, que nos convida a caminhar com Ele como aprendizes e, assim, poder ensinar outras pessoas. Como já diria Paulo Freire, “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.

E isso pode valer para mestres “de carteirinha”, como para os nossos muitos mestres do cotidiano, que se vêm nessa posição por força da simples necessidade ou demanda. Mas – o leitor pode estar se perguntando – o que posso eu ensinar? Muita coisa, desde seu universo particular de aprendizado e vivência. Ninguém é sábio o suficiente que não tenha nada a aprender, nem ignorante o bastante que não tenha nada a ensinar. E por mais conhecimentos que alguém possua, isso não lhe garante a sabedoria. Por quê? O livro de Provérbios nos oferece algumas pistas.

Provérbios é um livro que nos ensina que o Temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Pv 1.7). Isso já diz muita coisa. Primeiro, diz que o temor (reverência, devoção, relacionamento vivo com Deus, e não “temer”, de medo) a Deus é um modo de ser a partir do qual começa a vida do sábio. James L. Crenshaw afirma que “sem um relacionamento vital com Deus, ninguém poderia alcançar suficiente sabedoria para merecer o adjetivo ‘sábio”.

Segundo, sabedoria não é conhecimento, é a maneira como tratamos o que conhecemos. E não só isso, a sabedoria é a maneira como tratamos tudo o mais na vida. Em outras palavras, o sábio é, como diz a canção do Roberto Carlos, simplesmente aquele que “sabe viver”. Assim, somente o ensino-aprendizado baseado no temor do Senhor pode ser tanto o que nos aproxima da sabedoria – do bem lidar com o viver, segundo os padrões divinos de vida – quanto é o que pode nos livrar do orgulho de sermos “sábios aos nossos próprios olhos” (Pv 3.7).

Para isso é preciso “ficar ligado”, pois, quando nossos ouvidos permanecem atentos e nossos olhos abertos, veremos que a sabedoria não cessa de nos querer instruir sobre como viver e bem trilhar o divino caminho nas estradas retas ou tortas desse mundão. E há tantas maneiras. Não são apenas livros que ensinam, mas experiências, vividas e contadas, também. Não apenas professores bem formados e competentes, mas gente simples, que pode até não saber nada sobre ciências cultas e doutas, e ainda assim nos ensinar tantas preciosidades sobre as ciências informais do viver, que às vezes passa ao largo dos acadêmicos e dos doutores. Enfim, o Senhor nos oferece tantas situações de aprendizado de sua sabedoria. Mas sem temor, não há sabedoria; e sem amor, de nada valeria, como disse Paulo: “Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei” (1Co 13.2).

Provérbios também nos ensina que a educação divina é integral. Quem se inclina ao entendimento é o “coração” (da palavra hebraica “leb”), que representa o centro da vontade, julgamento, razão e determinação do ser, e não das emoções, embora as envolva. Aqui se prioriza todo o ser, que não prescinde, mas é cercado pelo espiritual, o qual não é apenas outra dimensão da vida, mas aquela que tudo cerca, não apenas o espírito, mas o corpo. Por isso Salomão diz para gente não se apoiar apenas no próprio entendimento, mas para confiar em Deus de todo o “coração” (com todo o nosso ser), pois isso “dará saúde ao corpo e vigor aos ossos” (3.8).

Essa é a preciosidade de Provérbios: a sabedoria e o ensino educam para a vida, pois são para preservar e gerar fome de vida! Desprezar o ensino é não apenas ignorar a Deus, mas atentar contra a própria vida. Assim, na educação cristã não somos chamados a formar mentes brilhantes apenas, mas corações (no sentido bíblico) dedicados; nem tampouco a “salvar a alma”, sem também redimir o corpo, templo do Espírito Santo. Em suma, somos chamados a preparar vidas, que irão servir a Deus no mundo e influenciar outras num processo que se quer gerador de mais vida: integral, abençoadora, abundante…

Que o Senhor nos encha de sua sabedoria e discernimento nesses dias!

Jonathan Menezes é Doutor em História pela UNESP – Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina – Leciona disciplinas na área de Análise da Realidade – Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil

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