Há 131 anos teve oficialmente o fim da escravidão no Brasil, todavia, continuamos sendo desafiados frente ao racismo estrutural que se manifesta nos mais diversos espaços da sociedade, inclusive e infelizmente no âmbito religioso.
Como Instituição, nos colocamos em posição de perdão e enfrentamento, e confessamos, como Neemias, os pecados que nos distanciam da encarnação do evangelho.
Hoje, 20 de novembro de 2019, reconhecemos com o coração cheio de gratidão a vida de uma mulher negra, Sueli Silva, que sonhou em preparar pessoas para servir o Reino de Deus junto com a gente. Somos felizes por sua vida e seu testemunho. Ela já fez história e continua usando seu espaço de fala para anunciar a justiça social sem preconceito racial. Uma fala comprometida totalmente com os princípios da mensagem de Cristo.
Seu legado ficará sempre registrado em nossa história. Abaixo você pode conferir um pouco de sua vida, que foi escrita por duas alunas da FTSA – Elisabete Fabiana da Paz Santos e Maria de Lourdes dos Santos Justino de Freitas
Sueli nasceu na cidade de Araçatuba, em 09/11/1950. Não conheceu seu pai e tem um irmão chamado Benedito que atualmente mora em Palmas – TO que é casado e têm 2 filhos. Esta mulher negra e pobre, que durante toda a sua vida demonstrou muita fibra e resiliência para vencer o preconceito, aos treze anos de idade é matriculada em um colégio interno de confissão de fé metodista, na cidade de Lins e, aos 16 anos fica órfã. Por intermédio do Pastor Metodista da igreja de sua mãe, ingressa numa escola de enfermagem em Anápolis – Goiás, de tradição presbiteriana. Sueli é filha de Maria do Nascimento Silva, seu exemplo de força, respeito e determinação (Silva, 2018).
Aos 18 anos de idade, ela volta para São Paulo e assume a chefia do corpo de enfermagem da maternidade do Hospital Santa Cruz da cidade de São José do Rio Preto, onde ficou por dois anos e depois voltou para Araçatuba. Sueli afirma que foi neste momento em que aconteceu sua conversão legítima, na Igreja Presbiteriana. Em Araçatuba chefiou o setor de Oncologia Feminina do hospital, e, além da formação acadêmica como Auxiliar de Enfermagem; Sueli também é formada em Letras, Teologia e possui Mestrado em Missiologia pelo Fuller, na Califórnia – EUA.
Sueli obteve seu primeiro contato com a Teologia em 1970, quando no Instituto Bíblico de Educação Cristã, participou de um seminário e acampamento. Neste mesmo período, foi adotada por um casal de americanos que investiram na sua educação.
Em 1978, Sueli foi agraciada com uma bolsa de estudos para aprender a língua inglesa e, em 1979 ingressou no Centro Universitário Ibero Americano, onde fez faculdade de Teologia. Em 1986 conheceu o professor Pierson que a convidou para fazer o mestrado na área de Missões no Seminário Fuller, na Califórnia e ficou morando lá até 1994.
Com grande pesar, segundo ela, mas com muita emoção e com a certeza de que fez a escolha certa, Sueli precisou deixar a Califórnia para voltar ao Brasil e ajudar sua irmã (da família que a adotou) que estava com um dos filhos doente, tratando da doença de leucemia e que veio a óbito futuramente. Sueli afirma que foi neste momento de cuidado com seu sobrinho que teve um período de maior relacionamento com Deus (Silva, 2018).
Foi durante seus estudos acadêmicos no Seminário Fuller, que Sueli conheceu Antonio Carlos Barro, um dos fundadores da Faculdade Teológica Sul Americana, em Londrina, e este a convidou para trabalhar com ele. O convite foi aceito em 2000, sendo que, Sueli atuou na docência, ministrando a disciplina de Capacitação Missionária, depois no trabalho como mentora de alunos e, por último, como assessora da diretoria e coordenando trabalho de contato com investidores estrangeiros. Permaneceu na FTSA até o mês de agosto de 2018, quando foi aprovada como bolsista no programa de Mestrado na Inglaterra na área de “Religião na Política Global: Teorias e Temas”, no qual foi aceita através de bolsa de estudos, após vencer protocolos como entrevistas, aptidões e chamado ministerial.
Relatos de sua Práxis Missional
Em 1975: ajudou a plantar uma igreja com o nome de Comunidade de Jesus, junto a Osmar Ludovido da Silva, amigo que ela conheceu durante o seminário, o qual havia sido traficante de drogas e havia acabado de sair da penitenciária do Carandiru em São Paulo, que, evangelizado dentro do presídio, converteu-se ao Senhor Jesus. Osmar iniciou um trabalho com pessoas com dependência química e Sueli prestou um papel importante no trabalho junto a liderança desta igreja. Atualmente Osmar mora em Portugal (Silva, 2018).
Em 1986: realizou um trabalho com crianças na igreja do Pastor Ari Veloso, período de grande experiência ministerial; Em 1995: esteve entre as lideranças da Igreja Comunidade Koinonia, onde ensinava e pregava; De 2000 a 2005: atuou na docência na Faculdade de Teologia Sul Americana Londrina – PR.; Em 2002: juntamente com Marcio Coyote, desenvolveu um trabalho de evangelismo nas ruas de Londrina com travestis e homossexuais; Em 2006 iniciou o trabalho educacional com crianças carentes em Londrina, que se chama ACEB- Nova Vida; Associação Cristã Evangelizadora Beneficente, onde faz parte da diretoria e do rol de parceiros atuantes, até os dias atuais.
Sueli Silva realiza um trabalho evangelístico na prática, no dia-a-dia com as pessoas, é seu estilo de vida, sendo assim, os que estão à sua volta conseguem perceber o poder eficaz do evangelho e compreender o que é ser um autêntico instrumento nas mãos do Senhor. Sob essa forma de pregar o evangelho Orlando E. Costas faz a seguinte afirmação:
A práxis cristã é ação criativa e transformadora do povo de Deus na história, acompanhada por um processo crítico-reflexivo e profético que busca tornar a obediência cristã mais efetiva. Somente na medida em que os cristãos se comprometem em participar redentivamente em suas situações de vida é que eles conseguem dar testemunho eficaz do evangelho e serem autênticos instrumentos do Espírito Santo na evangelização daqueles que lhes estão próximos. Testemunhas evangelísticas autênticas estabelecem suas credenciais apostólicas por sua práxis (Costas, 2014, p.67).
Estando de partida para a Inglaterra a fim de ingressar no programa de mestrado na Universidade de Londres – SOAS, Sueli foi entrevistada pelas alunas do projeto de iniciação científica: Mulher, Teologia e Sociedade, momento de grande aprendizado e de crescimento espiritual.
Respondendo a algumas perguntas que envolviam sua vida particular, em temas como: renúncia, sororidade e ensino, Sueli surpreendeu às entrevistadoras ao responder que não renunciou a nada durante sua caminha com Cristo, mas que talvez possa ter perdido a oportunidade de concluir alguns sonhos, como o de estudar medicina.
Quanto ao casamento, este apenas não aconteceu, Sueli confessa que se apaixonou, mas que, devido à pressão em decorrência do preconceito racial por parte da família do rapaz, não houve a continuidade do namoro e possível casamento. A opção de não ter filhos deu a ela oportunidade de se dedicar totalmente ao Senhor. “Eu me acostumei e me adaptei à minha vida de solteira de forma harmoniosa. Deus me deu vários amigos e amigas, muitos sobrinhos”. Sueli enfatiza que, por não formar uma família nuclear, foi possível ajudar uma amiga que fazia missões na Áustria e que estava em tratamento de câncer e tinha três filhos adolescentes. Sueli foi útil neste momento de grande necessidade para o casal, fato que ela também considera como contribuição missionária para o reino de Deus (Silva, 2018).
Sueli enfatiza que como mentora foi possível exercer o ensino de forma assertiva e direta, não obstante, ressaltou que não é ela quem faz as mudanças na vida das pessoas, mas que apenas se apresenta como um instrumento de Deus para ensinar e aprender. Sueli também narrou o lado negativo da mentoria, quando não há o reconhecimento do seu trabalho por parte dos discípulos, mas compreende o lado positivo da missão quando vê as pessoas alcançando grande crescimento espiritual, caminhando na presença do Senhor e semeando Cristo em outras vidas. O importante para ela é que tudo em sua vida tem sido feito para Deus.
Ao ser questionada sobre a produção acadêmica, pergunta esta que muitas vezes parece ser a única e absoluta fonte de qualificação para alguém que dedica sua vida ao ensino, respondeu em risos que ainda é muito jovem para escrever, que precisa amadurecer e que há muita vida pela frente. Ela cita um antigo ditado que diz que uma pessoa em toda a sua vida precisa plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. “A árvore eu já plantei, tenho muitos filhos espirituais e agora falta escrever um livro”, finaliza Sueli (Silva, 2018).
Antonio Carlos Barro
Diretor da FTSA Londrina PR