Chamados a Refletir o Amor de Deus em tudo o que fazemos
Em outras palavras, trabalhar, para o crente, é uma administração sagrada e, ao cumprir seu trabalho, ele credenciará ou violará seu testemunho cristão. Assim nosso trabalho se tornará um lugar onde nossa fé se torna ação.
Sempre que analisamos nossas vidas diante do mundo percebemos que estamos em uma missão de Deus. Nosso chamado vai além do evangelismo, seja em um país distante ou em nossas comunidades. Estipular o significado e o propósito de toda a nossa vida, o que inclui todo nosso trabalho vocacional. Qualquer coisa a menos fica distante do propósito de Deus, resultando em uma vida compartimentada e de identidade fragmentada.
A maioria das pessoas enxergam o trabalho como um meio para atingir seus objetivos (receber e comprar), os pagãos creem que o lazer é bom e o trabalho é ruim. A dicotomia sagrado/secular contribuiu para que os cristãos reafirmassem sua visão do trabalho, e muitos, nos extremos, aceitam que apenas o trabalho vocacional, preferencialmente em tempo integral, é o trabalho que Deus tem para os seres humanos. Quando olhamos através da história conseguimos perceber que a compreensão sobre o trabalho determinado por Deus foi sendo alterado até a visão atual da obrigatoriedade e do meio de sobrevivência, não mais como exercício do chamado em cumprir a missão de Deus.
Os judeus valorizavam a contemplação e para os gregos o trabalho era maldição. Quando olhamos para o antigo testamento encontramos a valorização de todas as formas de trabalho; portanto os judeus, também, viam o trabalho como propósito de Deus na criação. As primeiras reflexões teológicas foram realizadas por pessoas que estavam envolvidas na vida comum. Os primeiros judeus buscavam refletir o que recebiam de Deus em suas atividades profissionais. No novo testamento encontramos Jesus ministrando ensinamento baseado em temas do trabalho habitual. Da mesma forma, o apostolo Paulo enfatiza uma visão positiva do trabalho e destaca para fazê-lo bem. (“Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens,” COL 3,34 – ARA).
Estes primeiros cristãos viviam de uma forma diferente, como escolhidos – “aqueles que foram separados e chamados por Deus”, não para ficar fora do mundo, mas estar inserido nele testemunhando Deus por palavras e atos, sempre considerando a verdade da fé que criam. Eram sal e luz em seu contexto e cultura, o que contribuiu em grandes transformações ao mundo em seu redor. Ao final do III século, por influência da filosofia grega, padres da igreja católica foram se afastando da visão cristã de que todo o trabalho era o trabalho de Deus e para Deus. Finalmente, quando o cristianismo se tornou a religião oficial do império romano, com a distinção entre clero e plebeus, e assim a divisão em categorias sagradas e seculares, manchou e distorceu toda visão do novo testamento do sacerdócio de todos os crentes. Somente no século XVI, pelo movimento da reforma com Martinho Lutero iniciou-se um movimento de recuperação da doutrina bíblica do trabalho, valorizando toda a vida, incluindo todas as formas de trabalho como um chamado de Deus. Segundo Lutero – “Respondemos ao chamado para amar nosso próximo cumprindo os deveres associados ao nosso trabalho diário. Este trabalho inclui deveres domésticos e cívicos”. Assim, Lutero afirmou, que só poderemos realmente servir a Deus no meio das circunstâncias cotidianas e toda tentativa de elevar o significado da vida contemplativa são falsas. Martinho Lutero reconheceu que o ministério sagrado da igreja não era o único modo de servir a Deus, mas também o trabalho diário “secular” comum exercido com amor e com propósito de refletir Deus.
“…as obras de monges e sacerdotes, por mais santas e árduas que sejam, não diferem um pouco à vista de Deus das obras do trabalhador rústico no campo ou da mulher que realiza suas tarefas domésticas … todas as obras são medidas diante de Deus apenas pela fé.” – Martinho Lutero
Posteriormente, João Calvino aprofundou-se mais desenvolvendo uma teologia do trabalho com a vida pública.
“De acordo com a perspectiva bíblica, o trabalho se torna uma estação de testemunho e serviço espiritual, uma ponte diária percorrida entre a teologia e a ética social.” – João Calvino
Em outras palavras, trabalhar, para o crente, é uma administração sagrada e, ao cumprir seu trabalho, ele credenciará ou violará seu testemunho cristão. Assim nosso trabalho se tornará um lugar onde nossa fé se torna ação. Sempre que realizamos uma tarefa ou tomamos uma decisão, temos a oportunidade de mostrar aos nossos clientes, parceiros e funcionários algo diferente. Somos chamados a modelar o amor de Cristo através do sacrifício de si mesmo a serviço do outro. Mostrar que nos preocupamos mais com as pessoas do que com o lucro. Nossa fé é que demonstra a qualidade do produto ou serviço que fornecemos, como lidamos com nossos clientes, com o preço justo que cobramos, com o aumento do salário e valorização dos nossos funcionários, como enfrentamos e tratamos os conflitos e todos os demais aspectos profissionais da nossa carreira ou do nosso negócio.
Nosso trabalho é profundamente importante para Deus. Através do desenvolvimento fiel dos talentos dados por Deus, amadurecemos como cristãos e nos tornamos mais úteis no Reino de Deus e no reino do homem. Através de nosso trabalho fiel, imitamos a própria criatividade, ordem e apreciação de Deus pela beleza e excelência.
Antonio Christian Alves – Teólogo e Analista de Sistemas, Graduado em Teologia pela FTSA- Faculdade Teológica Sul Americana