A comunidade NÃO É composta de:
“… duas fileiras: de um lado uma institucionalidade e de uma vez por todas um círculo privilegiado no qual é responsável pelo todo e o representa; e do outro lado uma classe que é finalmente privada deste privilégio e pode e deveria deixar ao outro grupo o agir responsavelmente e representativamente nos assuntos da missão da comunidade” (Karl Barth, CD IV 3.2, 782).
Que palavra profética e esclarecedora de Karl Barth. Clero e leigos são categorias (ou como disse Barth, “classes” que nunca fez parte do vocabulário do Reino de Deus. Tais categorias são e continuam sendo categorias de poder. Poder que está a serviço de líderes pastorais que acham que o sangue que corre em suas veias é azul, um “revival” de uma espécie de “raça ariana sacerdotal” em detrimento dos “idiotes” (nome dado aos leigos não educados).
Quando se entra em contato com essa classe pastoral em poucos segundos se percebe em suas palavras, atitudes e conceitos a “fileira” que se acha digno de pertencer. Dou um exemplo disso que beira a idiotice.
Ao ministrar em uma igreja, no intervalo, fui comprar um salgado na cantina da igreja. A pessoa que me convidou disse que eu não deveria comer o salgado da cantina, que ia me levar para uma padaria para eu comer algo melhor, uma torta de frango com catupiry. Disse que não pois eu queria aproveitar o tempo para conversar com algumas pessoas da igreja. Ele insistiu que não. Disse, com amor e carinho, que ou eu comia ali ou não comia. Ele cedeu e ali comi conversando com um irmão que queria falar comigo.
Um exemplo corriqueiro que revela a existência dessas “fileiras” entre nós. Alguns dizem que isso é honra, respeito, valorização e coisas do tipo. Para mim isso isso é privilégio decorrente da função (pastoral) que não devo ter. Não há de errado tratar bem as pessoas; mas é tudo errado quando é fruto de uma cosmovisão a partir dos privilégios de classe formatado no pseudo espírito que é para o “anjo do Senhor”. O dom que o Espírito Santo me deu, pastor-mestre, em nada me torna mais especial ou mais importante que meu irmão que tem o dom da hospitalidade ou misericórdia.
Existem outras maneiras de honrar um líder pastoral que não via privilégios de classe e são essas (outras) que devemos valorizar. O meu modelo continua sendo de um homem com uma toalha em uma mão e uma bacia na outra.
O modelo do político precisa ser aniquilado no meio pastoral. Essa classe nada ter a ver com Jesus de Nazaré. Ao contrário, sua afinidade é com Anás e Caifás, não apenas amantes do poder, mas descarados beneficiários dos privilégios da corte.
Nada de classes na igreja. Tudo de sacerdócio universal de todos os santos. Ou isso vale de verdade entre nós ou isso não é igreja. E a conversão precisa acontecer em ambos: tanto nos líderes pastorais para que finalmente entendam que pastoreio não é título mas vocação-função, que é marcado pelo serviço; como também nas pessoas da igreja que também gostam de alimentar esses sistema classista na igreja especialmente quando podem estar mais próximos de seus líderes pastorais (jantares, churrascos, presentes, etc) porque assim sentem-se mais especiais que seus míseros irmãos que não gozam de tais privilégios.
Esse sistema de classe não é apenas entre “clero-leigos”. Se ilude quem pensa assim. É também entre “leigo-leigo” que vão sub-dividindo classes entre si mesmos.
Privilégio e abuso de poder jamais deveriam ser convidados para serem membros de nossas igrejas. Essas são marcas de gente não convertida que nunca foi impactada pelo Reino de Deus “entre vós é assim, mas não entre nós”. Gente que nem de perto segue Aquele que veio do norte da Galiléia, na desprezível cidade de Nazaré.
E Este Nazareno entendeu que o maior não é o que tem o privilégio de assentar ao redor da mesa para ser servido pelos empregados. Para ele o maior é o empregado que serve as mesas.
Eu quero isso para minha vida pois sei que se assim eu não for serei algo que nunca deveria ser! E assim, serei uma farsa com disfarce de veste pastoral. Vou pegar a toalha e a bacia novamente, marcas externas da conversão interna que em mim ocorreu pela graça de Deus.
Nenhuma vocação pastoral vem sem toalha e bacia! Eis o verdadeiro teste da vocação pastoral. Se você encontrar aí alguns sem esses instrumentos de serviço, foge logo, corra o máximo que puder, pois é ladrão de ovelhas, porque o verdadeiro pastor dá sua vida pelas ovelhas.
Jorge Henrique Barro é Doutor em Teologia pelo Fuller Theological Seminary (EUA) – Professor e Responsável pelo Departamento de Desenvolvimento Institucional (DDI) da Faculdade Teológica Sul Americana – Foi presidente da Fraternidade Teológica Latino Americana (Continental) – Avaliador do MEC para Teologia